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Ajustamento e crescimento das economias da área do euro

Discurso por Benoît Cœuré, Membro da Comissão Executiva do BCE, Nova School of Business and Economics e Banco de Portugal, Lisboa, 22 de fevereiro de 2013

Introdução [1]

Ex.mo Senhor Governador,

Minhas Senhoras e meus Senhores,

É para mim um grande prazer estar hoje aqui e partilhar convosco as minhas reflexões sobre o ajustamento em curso na área do euro. Trata-se de um tema ambicioso, especialmente aqui em Lisboa, dado que Portugal está no centro deste processo.

Tomando como ponto de partida o colapso do banco de investimento Lehman Brothers, a crise económica e financeira dura há já quatro anos e meio, o que corresponde a quase um terço do período de existência do euro. Para os países sob pressão, tem sido um período difícil, no qual se verificou uma queda pronunciada do PIB e um aumento acentuado do desemprego, especialmente entre os jovens. A vida quotidiana das pessoas ainda não apresenta melhorias visíveis. Por conseguinte, é importante focar os progressos alcançados ao longo dos últimos cinco anos e explicar como, e por que razão, podem as reformas criar receitas e emprego.

Abordarei as seguintes três questões: i) Qual o grau de ajustamento ainda necessário? ii) Por que motivo os custos têm sido tão elevados? iii) Existem condições para restaurar o crescimento? O público provavelmente formularia estas questões de forma diferente: há esperança de que a situação melhore? Será que as políticas vão resultar? Veremos melhorias no nosso quotidiano?

A fim de responder a estas questões, organizarei o meu discurso em três partes.

Em primeiro lugar, farei uma breve síntese de como surgiram os desequilíbrios e os problemas estruturais e até que ponto eram profundos antes de serem dados os passos no sentido da reforma, o que é crucial para entender o processo de ajustamento subsequente, os custos envolvidos e o rumo a seguir. Descreverei, em seguida, os progressos alcançados até à data. O processo de ajustamento ainda não está concluído, mas já foi significativo e alguns países, incluindo Portugal, deram passos importantes no sentido da sustentabilidade.

Em segundo lugar, abordarei os fatores que tornaram o ajustamento mais doloroso do que poderia ter sido. O meu principal argumento é que a rigidez em alguns domínios tem impedido um ajustamento nominal em sentido descendente mais rápido e significativo, causando desse modo uma queda acentuada da produção e do emprego. Além desta rigidez, a interligação entre o mau funcionamento do canal de crédito, a consolidação orçamental e a deterioração da confiança contribuiu para um aprofundamento da recessão.

Em terceiro lugar, defenderei que existem boas razões para um otimismo cauteloso, se as reformas continuarem a avançar como planeado. A solidariedade europeia possibilitou um ajustamento mais regular e permitiu evitar cenários de interrupção repentina. Ofereceu igualmente aos governos nacionais a oportunidade de reforçarem as condições para o crescimento, a produtividade e o emprego, permitindo-lhes colher plenamente os benefícios da união monetária.

Passarei agora à primeira parte da minha intervenção.

1) Progressos concretos na correção dos desequilíbrios

Desde o início da União Económica e Monetária (UEM), as principais variáveis macroeconómicas e estruturais dos países da área do euro têm divergido imenso. Embora as expectativas ex ante de uma rápida convergência entre países da área do euro fossem inicialmente razoáveis, dado o enquadramento favorável criado pela união monetária, o grau de convergência sustentável ex post revelou-se muito limitado. Em muitos países, o excessivo consumo privado/público e a despesa em termos de investimento residencial, em parte decorrentes de uma excessiva acumulação de dívida, resultaram num índice harmonizado de preços no consumidor (IHPC) e em custos unitários do trabalho persistentemente mais elevados do que a média da área do euro. Ao mesmo tempo, o lado da oferta não conseguiu acompanhar a procura, visto que a despesa de investimento não foi canalizada para atividades capazes de gerar receitas elevadas no futuro e devido à considerável rigidez estrutural dos mercados de trabalho e do produto, fatores que os decisores de política, em grande medida, negligenciaram nos anos anteriores a 2009. Este processo foi agravado pela fragilidade das instituições orçamentais e da supervisão prudencial. Todos estes aspetos contribuíram para a acumulação de grandes desequilíbrios e vulnerabilidades. Perante este cenário, o quadro de governação económica da União Europeia (UE) revelou-se incapaz de impor uma implementação atempada de reformas cruciais ou de evitar desequilíbrios.

Permitam-me ilustrar a situação com alguns valores. Os gráficos que irei apresentar contemplam os três países sob um programa de assistência financeira, bem como a Espanha. É claro que o processo de ajustamento está em curso em mais países, alguns dos quais aderiram à área do euro após 2007.

[ Slide 1] Uma propriedade que valia 100 em 1998 teria sido vendida, em 2007, por 280 em Espanha e na Irlanda e por 230 na Grécia. Entre 1998 e 2007, o crédito à habitação aumentou mais de 400% em Espanha, 500% na Irlanda e 800% na Grécia. A expansão do crédito levou a um aumento acentuado do endividamento do setor privado. Contudo, tais desequilíbrios não se restringiram apenas ao setor privado. Entre 1998 e 2007, a remuneração dos empregados do setor público (ou seja, o número de empregados multiplicado pelos seus salários per capita) aumentou cumulativamente cerca de 180% na Irlanda (isto é, o quíntuplo da média da área do euro) e aproximadamente 110% na Grécia (ou seja, o triplo da média da área do euro). O aumento da despesa pública excedia sistematicamente o crescimento do PIB nominal, também em Portugal (cerca do dobro da média da área do euro). A disciplina orçamental foi claramente insuficiente. Ainda que o défice orçamental global sugerisse uma situação saudável até cerca de 2008, esta situação era enganadora, dado que o PIB se situava acima do potencial e as fortes receitas fiscais resultantes da expansão do mercado imobiliário não eram sustentáveis.

Durante a crise de 2008/2009, a queda acentuada da procura interna provocou uma redução significativa das receitas, as quais, em alguns países antes em expansão, tinham por base impostos ciclicamente muito sensíveis, tais como impostos sobre o rendimento das pessoas coletivas, impostos de selo e impostos sobre as mais-valias. Paralelamente, verificou-se um aumento da despesa pública, em virtude das medidas relacionadas com a crise. Além disso, as operações de resgate dos bancos, em especial na Irlanda, contribuíram substancialmente para a deterioração das finanças públicas, ao passo que os avales estatais aumentaram as responsabilidades contingentes das administrações públicas da área do euro.

[ Slide 2] A matemática de todos estes desenvolvimentos é muito simples. Em meados de 2010, vários países da área do euro, mesmo alguns que não apresentavam uma tal acumulação de desequilíbrios, começaram a ser afetados por uma crise da dívida soberana sem precedentes. Os mercados financeiros começaram a ter a perceção de que os níveis da dívida eram insustentáveis. A partir dessa altura, os governos sob o escrutínio minucioso dos mercados financeiros tiveram de tomar medidas para restaurar a confiança. Contudo, não ficaram entregues a si mesmos. Entre 2010 e 2012, a Grécia, a Irlanda e Portugal receberam assistência da UE e do Fundo Monetário Internacional (FMI) sob a forma de um pacote de financiamento abrangente, oficialmente conhecido como “Programas de Ajustamento Económico”. Estes programas envolveram ajustamentos profundos em termos de políticas económicas e financeiras, incluindo ao nível das reformas estruturais. Entretanto, a Espanha lançou um programa de ajustamento do setor financeiro, apoiado pelos seus parceiros europeus. Além disso, um quadro permanente de solidariedade – o Mecanismo Europeu de Estabilidade – já está operacional e pode proporcionar assistência financeira a Estados-Membros em dificuldade, reduzindo assim as ameaças à estabilidade financeira na área do euro.

Por seu turno, o Eurosistema disponibilizou, desde uma fase inicial, um apoio muito substancial em termos de cedência de liquidez ao setor bancário, que tinha sido gravemente afetado pela interrupção do mercado interbancário. As medidas não convencionais do BCE desempenharam um papel crucial na prevenção de um cenário de deflação, especialmente face à intensificação da crise da dívida soberana, a partir de meados de 2010. Por exemplo, o BCE disponibilizou aos bancos toda a liquidez pretendida, adotando um procedimento de leilão de taxa fixa com colocação total, contra uma lista alargada de ativos de garantia elegíveis, e por períodos prolongados. Tal ajudou a estabilizar as condições de financiamento dos bancos na Grécia, na Irlanda, em Portugal e, mais tarde, em Espanha e Itália [2]. De acordo com dados do Banco de Portugal, a cedência de liquidez por parte do BCE aos bancos portugueses atingiu 60.5 mil milhões de euros em junho de 2012, representando mais de um terço do PIB de Portugal. Em agosto do ano passado, o BCE anunciou o programa de transações monetárias definitivas ( Outright Monetary Transactions) para combater a especulação injustificada relativamente a um colapso do euro e corrigir as consequentes distorções do mecanismo de transmissão da política monetária. Em resultado destas medidas, e no contexto de um compromisso renovado por parte dos governos no sentido de assegurar a integridade da área do euro, as condições financeiras melhoraram substancialmente ao longo do tempo e nos vários segmentos de mercado. Os bancos conseguiram reduzir a sua dependência de financiamento do BCE, designadamente mediante a amortização antecipada de parte da liquidez recebida no âmbito das operações de refinanciamento de prazo alargado do BCE. Em Portugal, o financiamento junto do banco central cifra-se agora em cerca de 50 mil milhões de euros, mais de 15% abaixo do seu valor máximo. Os mercados financeiros da área do euro estão gradualmente a regressar à normalidade.

[ Slide 3] Em que medida foram corrigidos os desequilíbrios? Os saldos da balança corrente mostram claramente uma forte correção. Nos três países sob um programa de assistência financeira, os saldos da balança corrente (em percentagem do PIB) aumentaram mais de 9 pontos percentuais entre 2008 e 2012. Em Espanha, o défice da balança corrente registou uma melhoria de mais de 7 pontos percentuais no mesmo período. A maior parte dos ajustamentos tem sido impulsionada por uma contração da procura interna. Todavia, na Irlanda, em Espanha e em Portugal, o desempenho das exportações tem sido muito forte, em comparação com o período anterior à crise. Em Portugal, as exportações de bens e serviços registaram um crescimento de, em média, quase 7% entre 2010 e 2012, face a 4.4% entre 1999 e 2008. Em particular, os ganhos nos mercados fora da área do euro têm sido elevados e existem indicações precoces de que a especialização das exportações destes países tem tomado um rumo que pode apoiar uma nova expansão das exportações estruturais [3].

[ Slide 4] Observámos uma melhoria assinalável da competitividade de custos, medida pelos custos unitários do trabalho. Entre 2008 e 2012, nos três países sob um programa de assistência financeira, o crescimento acumulado dos custos unitários do trabalho situou-se cerca de 12 pontos percentuais abaixo da média da área do euro. A Irlanda registou claramente o maior ajustamento, com ganhos acumulados dos custos unitários do trabalho de 18 pontos percentuais em relação à área do euro. A Grécia, Portugal e Espanha apresentaram ganhos dos custos unitários do trabalho de 10 pontos percentuais face à média da área do euro. Tal como ilustrado por Buti e Turrini (2012) [4], esta evolução não esteve totalmente associada aos ganhos de produtividade decorrentes da dispensa de trabalhadores, mas advém, pelo menos em parte, de uma dinâmica mais fraca do crescimento dos salários. Acresce que, aparentemente, a descida observada nos países com défices registou-se sobretudo no setor dos bens não transacionáveis, o que está em consonância com um reequilíbrio a nível interno. Em outros países (como, por exemplo, a Itália), onde se verificou uma queda abrupta da competitividade antes da crise, a correção da competitividade não é, até à data, evidente. Por outras palavras, o ritmo de ajustamento tem sido diferente nos vários países e o grau de correção dos desequilíbrios também é distinto.

[ Slide 5] Por último, observou-se uma melhoria muito forte dos saldos orçamentais primários estruturais – ou seja, dos saldos orçamentais corrigidos do ciclo e de fatores pontuais. Na Grécia, segundo as estimativas, o saldo primário estrutural em percentagem do PIB, que alcançou níveis extremamente elevados em 2009, registou uma melhoria de mais de 13 pontos percentuais em termos cumulativos entre 2009 e 2012. Em Portugal, a melhoria estrutural situou-se em torno de 6 pontos percentuais do PIB. Esta melhoria dá-nos uma ideia do esforço de ajustamento real realizado por estes países.

[ Slide 6] O meu otimismo cauteloso não significa que não subsistam desafios ou tarefas importantes à nossa frente. Com efeito, a prioridade económica e social é reduzir o nível muito elevado de desemprego. Em particular, o atraso no ajustamento em sentido descendente dos preços e dos salários nominais aumentou significativamente o custo real do ajustamento e o peso a suportar pelos estratos mais vulneráveis da sociedade. Os custos dos salários no setor privado praticamente não registaram qualquer correção em sentido descendente em alguns países, mesmo quando o desemprego começou a aumentar de forma substancial (sobretudo em Espanha, mas, no início, também na Grécia). Entre os países sob um programa de assistência financeira, apenas na Irlanda se verificou um considerável ajustamento em sentido descendente dos preços relativos, o que ajudou o país a evitar uma redução do produto e do emprego ainda maior. A desconexão entre o ajustamento dos custos unitários do trabalho e o ajustamento do IHPC reflete a falta de concorrência na economia interna. Reflete igualmente outros fatores de custo que afetam a evolução dos preços, incluindo o facto de a consolidação orçamental ser, em parte, alcançada através de impostos indiretos e preços administrados mais elevados [5]. Impõe-se que exista uma grande determinação para reduzir as margens de lucro excessivas resultantes de uma concorrência monopolista, em particular em setores protegidos da concorrência internacional [6]. A redução das rendas não é apenas uma questão de eficácia no processo de ajustamento: é também uma questão de equidade na partilha dos esforços de ajustamento. Este ponto leva-me à segunda parte da minha intervenção.

2) Os fatores de agravamento

[ Slide 7] Os custos do ajustamento têm tido elevados – em alguns casos, muito elevados. Alguns dos custos em termos de diminuição do produto e do emprego eram, infelizmente, inevitáveis. Em particular, algumas das perdas de postos de trabalho no setor dos bens não transacionáveis resultam do necessário reequilíbrio em favor de bens transacionáveis e do abandono de um crescimento insustentável da procura interna. Contudo, o aumento do desemprego numa série de países foi agravado por atrasos nas reformas estruturais e, como já referi, pela falta de flexibilidade em sentido descendente dos preços e dos salários após 2008. As maiores perdas de postos de trabalho verificaram-se entre os trabalhadores temporários e pouco qualificados em Espanha e nos setores da indústria não transformadora [7]. Com a queda do emprego, o desemprego – em particular, entre os jovens – disparou, especialmente na Grécia e em Espanha, onde mais de um quarto da população ativa não tem trabalho.

Verificou-se também uma subida pronunciada do desemprego nos Estados bálticos, o qual aumentou de 5% em 2007 para, em média, 18% em 2010, na Estónia, Letónia e Lituânia. Todavia, desde 2010, o desemprego diminuiu de forma relativamente rápida nos três países. No final de 2012, a melhoria era de cerca de 10 pontos percentuais [8]. Nos países da área do euro sob maior pressão, ainda não existem sinais de reversão da tendência. Tal advém da herdada grande rigidez dos mercados de trabalho e do produto, os quais iniciaram um processo de mudança e precisam de o prosseguir com vigor, a fim de evitar novas perdas de postos de trabalho. Repito, não se trata apenas de uma questão de eficiência, mas também de uma questão de equidade. A Europa não pode permitir-se uma geração perdida.

[ Slide 8] Qual é a situação do produto? O PIB per capita tem vindo a baixar de forma acentuada na Grécia. Na Irlanda, o ponto de viragem foi alcançado em 2011. Em Espanha, em Portugal e na Grécia, espera-se que este ocorra em 2013 ou no início de 2014. São fiáveis estas expectativas? Sendo condicionadas por variáveis exógenas, como a procura mundial, os termos de troca ou choques petrolíferos, estas expectativas dependem de uma prossecução determinada das políticas de consolidação e de reforma, bem como de três aspetos fundamentais estreitamente relacionados: o impacto da consolidação orçamental, o acesso das empresas e das famílias a financiamento e o restabelecimento da confiança. Permitam-me que aborde estes aspetos ponto por ponto.

Desde a intensificação da crise soberana em meados de 2010, nos países sob pressão, a política orçamental tornou-se muito restritiva, o acesso a financiamento passou a ser muito limitado e a confiança caiu para níveis muito baixos. Num tal enquadramento, não é possível isolar o impacto de curto prazo destes três elementos, enquanto o ajustamento de balanços nos setores público e privado estiver em curso. Os multiplicadores orçamentais eram elevados no início do processo de ajustamento, como ilustrado pelo FMI [9]. Porém, certos trabalhos analíticos mostram também que um aumento do multiplicador orçamental de curto prazo estimado pode ser desencadeado por um canal de crédito disfuncional, spreads elevados e uma política orçamental não credível [10]. Além disso, incertezas políticas acrescidas e a não implementação de reformas estruturais podem provocar uma perda de confiança e minar a procura e o investimento. As perdas de produto daí decorrentes não devem ser atribuídas à consolidação orçamental.

Desenvolverei agora um pouco mais a questão da credibilidade. É preciso que a melhoria dos saldos orçamentais estruturais que mencionei continue, de modo a assegurar que a dinâmica da dívida permaneça sustentável. Tal impõe-se como parte do combate contra a perda de confiança no mercado. Os progressos em termos de ajustamento orçamental já impulsionaram a confiança no mercado, como indica a emissão bem-sucedida de obrigações em Portugal e na Irlanda. Não existe outra alternativa credível, atendendo a que é necessário corrigir desequilíbrios, restabelecer o acesso aos mercados e tornar a dívida sustentável, com vista a retomar um crescimento robusto e sustentável no médio prazo. Níveis elevados de dívida são maus para o crescimento [11]. As perdas de produto observadas nos últimos anos resultam também da excessiva dívida pública e privada acumulada até 2009.

Permitam-me agora fazer referência ao canal do crédito. Existe evidência de uma nova segmentação significativa da oferta de crédito desde meados de 2010, como indicado no inquérito do BCE aos bancos sobre o mercado de crédito e no inquérito semestral do BCE relativo ao acesso a financiamento pelas pequenas e médias empresas (PME) da área do euro. Nos países em que o setor bancário registou grandes choques de balanço relacionados com a deterioração da dívida soberana, a restritividade do acesso a crédito bancário aumentou de forma substancial. Os prémios de risco acrescidos nos países sob pressão tiveram, por seu turno, repercussões no acesso a financiamento, em particular, para as PME. Em contrapartida, as grandes empresas podem recorrer à emissão de dívida em vez de optarem por empréstimos bancários, em especial em situações de crise financeira, ou, no caso de grandes multinacionais, a empréstimos no exterior em vez de empréstimos a nível interno, como aconteceu, por exemplo, na Irlanda [12]. As PME empregam cerca de três quartos da mão de obra da área do euro e geram cerca de 60% do seu valor acrescentado. O acesso restrito das PME a financiamento em vários países da área do euro é claramente uma ameaça para a recuperação económica. Diversos governos, incluindo o governo português, estão a implementar medidas para apoiar o financiamento a PME. Estas medidas, assim como a utilização dos instrumentos financeiros da UE (o Banco Europeu de Investimento e os fundos estruturais da UE), são muito importantes para desbloquear o acesso a financiamento e o crescimento do investimento. O BCE aliviou as necessidades de financiamento dos bancos que concedem empréstimos a PME ao aceitar, como garantia nas suas operações de política monetária, esses empréstimos e instrumentos de dívida titularizados ( asset-backed securities) garantidos por conjuntos de empréstimos. O Banco de Portugal tem sido proativo na implementação destas medidas. Os direitos de crédito adicionais representam, por si só, cerca de 15% do total de ativos de garantia apresentados pelos bancos portugueses junto do BCE e ajudam a gerar um grande amortecedor de ativos de garantia. O BCE apoiará a recuperação do mercado de instrumentos de dívida titularizados na área do euro, o que permitirá às PME beneficiarem da melhoria das condições de financiamento. É ainda de destacar que a reestruturação e forte capitalização dos bancos é uma condição importante para o restabelecimento de uma disponibilização regular de crédito às empresas e às famílias da área do euro.

Gostaria agora de abordar a questão da confiança, o que me permite fechar o círculo e retomar a questão dos elevados custos do desemprego observados até à data. A elevada incerteza associada à queda do rendimento disponível e ao maior desemprego levaram a um aumento da poupança das famílias por motivos de precaução. A grande incerteza também tem mantido a confiança das famílias em níveis baixos, apesar de a atuação dos governos seguir na direção certa. Neste contexto, uma descida de preços melhoraria o poder de compra das famílias e reduziria a incerteza. A confiança será reforçada se os governos assegurarem que o peso do ajustamento é partilhado equitativamente e não objeto de distorção por grupos privilegiados e interesses instalados.

3) Rumo a seguir: adoção de uma trajetória estrutural

Graças à atuação dos governos da UE e do BCE, com o apoio do FMI, os sinais de estabilização na área do euro têm vindo a aumentar nos últimos meses, o que oferece uma oportunidade para a tomada de novas medidas decisivas. Nos países sob pressão, os governos iniciaram reformas sem precedentes em termos de ambição e alcance. Assistiu-se a um aumento da implementação de reformas politicamente sensíveis em muitas áreas, entre as quais se contam a administração pública, os sistemas de saúde e de pensões, a educação, os sistemas judiciais, os regimes de concorrência, as relações industriais, os mercados de trabalho e de produtos energéticos, as indústrias de rede, os setores dos serviços e as profissões regulamentadas. Esta lista soará muito familiar às pessoas aqui presentes, dado que o programa de ajustamento português contempla todas estas áreas. As reformas são consistentes com as metas estabelecidas pela UE em 2000, na Estratégia de Lisboa. Na altura, porém, não existiam os incentivos para o cumprimento dos compromissos assumidos. Caso sejam bem concebidas e plenamente aplicadas, tais reformas reorientarão os motores do crescimento para setores de elevada produtividade e permitirão às empresas serem bem-sucedidas no Mercado Único e na economia mundial. Estudos baseados em modelos de equilíbrio geral confirmaram que os efeitos destas reformas em termos de crescimento a longo prazo são, de facto, positivos e potencialmente muito elevados [13].

[ Slide 9] Este é o meu último gráfico. Mostra simulações baseadas em modelos efetuadas para a economia portuguesa usando um modelo de equilíbrio geral dinâmico neokeynesiano de larga escala para a área do euro e a economia mundial [14]. Nestas simulações, a margem salarial apresenta uma redução de 10 pontos percentuais ao longo de um período de cinco anos. A dimensão da redução reproduz o diferencial de salários brutos acumulado entre a Alemanha e os restantes países da área do euro entre 2005 e 2010, ou seja, nos cinco anos subsequentes à reforma Hartz IV. Para obter um conjunto de resultados comparáveis, a margem de preços também apresenta uma redução de 10 pontos percentuais em cinco anos. Estas simulações mostram claramente que, a fim de maximizar o impacto das reformas no PIB e no emprego, é importante que estas visem uma redução das margens dos salários e preços. Revelam igualmente que o impacto das reformas é positivo logo no segundo ano e que aumenta progressivamente nos anos seguintes. Estes resultados são consistentes com estudos realizados para outros países [15]. As simulações excluem reformas orientadas para o aumento da produtividade total dos fatores já mencionada, o que aumentaria o impacto no PIB e no emprego.

Para concluir, Portugal conta já com importantes realizações ao nível dos mercados de trabalho e do produto, as quais eram consideradas impossíveis de alcançar há apenas alguns anos. O apoio dos parceiros europeus tem sido, e continuará a ser, decisivo neste processo. As reformas estruturais levam tempo a fazer surtir o seu efeito benéfico na economia. Com a entrada de Portugal na segunda metade do programa de ajustamento, estes benefícios devem tornar-se cada vez mais tangíveis. Não subestimo os esforços que estas alterações exigem. No entanto, elas são necessárias para lançar as bases de um crescimento robusto e sustentável. As políticas orientadas para o crescimento não servem de substituto a um ajustamento orçamental e externo: ambos os aspetos se reforçam mutuamente.

Se concebidas de forma a reduzir as rendas e a combater interesses instalados, contribuirão não só para aumentar a eficiência do processo de ajustamento mas também a sua equidade, em benefício dos mais pobres, dos mais jovens e das gerações futuras. Apoiarão o crescimento a médio e longo prazo e, por conseguinte, o emprego e a sustentabilidade orçamental. Ajudarão as economias a colher plenamente os benefícios da participação no Mercado Único e na UEM. Ajudarão as sociedades a manter modelos sociais que, de outro modo, se degradariam, em virtude da permanente perda de produto causada pela crise e da perda de receitas fiscais associada [16].

Permitam-me acrescentar que se impõem reformas em todos os países da área do euro, inclusivamente nos de maior dimensão, embora em diferentes graus e domínios. Mesmo que um país da área do euro não sinta a pressão dos mercados financeiros nem da condicionalidade de um programa de assistência, o seu governo deve assumir seriamente a responsabilidade de implementar reformas necessárias que, em última instância, apoiarão o crescimento em outras regiões. Além disso, todos os governos da área do euro são responsáveis por, em conjunto, fazer avançar as reformas definidas em dezembro último pelo Presidente do Conselho Europeu, as quais proporcionarão estabilidade à moeda única. O Mecanismo Único de Supervisão é um primeiro passo importante, que deve ser complementado, logo que possível, com uma autoridade única de resolução bancária e um fundo de resolução. Deverão seguir-se outras medidas no sentido da concretização de uma união económica, orçamental e política, a fim de concluir a UEM. A lição que todos os países da área do euro podem retirar destes acontecimentos é que, no futuro, deverão assegurar-se de que as alterações necessárias são implementadas proativamente e não em resposta a uma crise.

Obrigado pela vossa atenção.

  1. [1]Gostaria de agradecer a Beatrice Pierluigi pelo seu contributo para este discurso. Permaneço o único responsável pelas opiniões aqui expressas.

  2. [2]Ver o artigo “The ECB’s non-standard measures – impact and phasing out , publicado no Boletim Mensal do BCE de julho de 2011, pp. 55-69.

  3. [3]Cheptea, Fontagne e Zignago (2012), European Exports Performance, Banque de France WP. 393.

  4. [4]Buti, M, e A. Turrini (2012), “Slow but steady? Achievements and shortcomings of competitive disinflation within the euro area”, ECFIN economic brief n.º 16, novembro.

  5. [5]Ver a Caixa “Rebalancing of competitiveness within the euro area and its implications for inflation , publicada no Boletim Mensal do BCE de junho de 2012, pp. 64-66.

  6. [6]As margens de lucro mais elevadas nos últimos dois anos devem ser interpretadas com cuidado, dado que representam, em parte, uma retoma após a contração registada em 2008/2009 e estão relacionadas com efeitos de composição e aprofundamento do capital mediante a dispensa de trabalhadores.

  7. [7]Ver Structural Issues Report do BCE (2012), Euro area labour markets and the crisis, Documento de Trabalho Ocasional do BCE n.º 138, outubro de 2012.

  8. [8]Em média, nos três Estados bálticos, a remuneração por trabalhador registou uma redução de 10.4 pontos percentuais em termos cumulativos entre 2009 e 2010.

  9. [9]Ver Blanchard O., D. Leigh (2012), Global forecast errors and fiscal multipliers, Documento de Trabalho do FMI n.º 13/1.

  10. [10]Ver Roeger W., in 't Veld J. (2009), “Fiscal policy with credit constrained households”, European Economy Economic Paper n.º 357 e a Caixa “Fiscal multipliers based on the ECB’s New Area-Wide Model”, publicada no Boletim Mensal do BCE de dezembro de 2012, pp. 83-85.

  11. [11]Ver Reinhart C., V. Reinhart, K. Rogoff (2012), “Public debt overhangs: advanced-economy episodes since 1800 , Journal of Economic Perspetive, 26(3), pp. 69-86, e Checherita-Westphal C., P. Rother (2012), “The impact of high government debt on economic growth and its channels: an empirical investigation for the euro area”, European Economic Review, 56, pp. 1392-1405.

  12. [12]Ver De Fiore F., H. Uhlig (2011), “Bank finance versus bond finance”, Journal of Money Credit and Banking, 43, pp. 1399-1421.

  13. [13]Ver Gomes S., P. Jacquinot, M. Mohr, M. Pisani (2011), Structural reforms and macroeconomic performance in the euro area countries. A model-based assessment, Documento de Trabalho do BCE n.º 1323; e Angelini E., A. Dieppe, B. Pierluigi (2013), Learning about wage and price mark-ups in euro area countries, Documento de Trabalho do BCE n.º 1512.

  14. [14]Ver Gomes S., P. Jacquinot, M. Pisani (2010), The EAGLE. A model for policy analysis of macroeconomic interdependence in the euro area, Documento de Trabalho do BCE n.º 1195.

  15. [15]Uma redução coordenada das margens teria um impacto semelhante no crescimento do PIB nos países em ajustamento. Em geral, as repercussões internacionais das reformas são limitadas. Para uma análise, ver Dieppe A. et al. (2012), Competitiveness and external imbalances within the euro area, Documento de Trabalho Ocasional do BCE n.º 139.

  16. [16]Ver Coeuré B. (2013), The three dimensions of the euro area crisis, discurso proferido no âmbito da conferência do Fórum Económico Ásia-Europa, subordinada ao tema “Problemas europeus, preocupações asiáticas” ( European troubles, Asian worries), Bruxelas, 21 de janeiro.

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